15.2.09
Alívio de Consciência
Escrever sobre a realidade política portuguesa começa a tornar-se um exercício penoso, tão deprimente ela se nos manifesta.
Por mais que nos esforcemos, dificilmente encontramos qualquer coisa de positivo, de animador, para relatar.
Nas últimas semanas, o caso Freeport ocupou o universo mediático, com o cortejo de peripécias, cada uma mais escabrosa que as restantes, tudo escarrapachado nas páginas dos jornais.
De novo, a figura de José Sócrates em foco, cercada de dúvidas várias, bem como de suspeitas de envolvimento directo ou indirecto nas irregularidades e falcatruas noticiadas.
Depois das trapalhadas da Licenciatura, passada por Universidade privada, entretanto encerrada por falta de idoneidade pedagógica, científica e administrativa, depois do escândalo dos Projectos de Engenharia Civil assinados por José Sócrates, mas alegadamente não elaborados pelo próprio, na região do Distrito da Guarda, eis que nova Caixa de Pandora se abriu, com o licenciamento de Projecto em zona sob protecção ambiental especial, com notícias de avultadas somas de dinheiro gastas em subornos vários, com nomes associados de familiares do então Ministro do Ambiente, José Sócrates, membro do 2º Governo do bom-serás António Guterres, na altura, a dias de findar funções, quando o Projecto obteve aprovação.
De cambulhada, surgiram mais devassas na vida privada de Sócrates e da família, com os jornais a publicarem também notícias de andares comprados a Empresas matriculadas em paraísos fiscais, por valores pouco credíveis, dada a localização privilegiada do prédio, ali no centro financeiro de Lisboa.
Naturalmente que só o Tribunal pode condenar alguém, só a investigação judicial pode apurar a responsabilidade criminal de qualquer cidadão e Sócrates nem sequer está indiciado, nem como arguido nem como testemunha, no Processo Freeport, aberto em 2005, mas adormecido, em qualquer secretária, para renascer agora, por via de inquirição britânica, a partir de suspeitas de fugas de impostos e colocação de dinheiro em paraísos fiscais, por parte de antigos proprietários do Freeport de Alcochete.
Tudo isto, no entanto, se passa num ambiente nebuloso, com explicações pouco convincentes de Sócrates, vitimizando-se e atribuindo tudo a campanhas negras não identificadas, de que ninguém forma certeza de nada, mas em que tudo se toma como possível ou até verosímil, minando desta forma a credibilidade de José Sócrates, já bastante afectada anteriormente com os casos da Licenciatura e dos Projectos de casas na zona da Guarda.
Acresce que o cidadão Sócrates é Primeiro-Ministro de um Governo de maioria absoluta, em final de mandato, preparando-se para se apresentar de novo como chefe do Partido Socialista, podendo vir a tornar-se, outra vez, PM de Portugal, com ou sem maioria absoluta, durante mais quatro anos.
Neste contexto de crise económica acentuada que o País e o Mundo vivem, em que há absoluta necessidade de tomar medidas impopulares, ver alguém a exercer tão alto cargo, debaixo de repetidas suspeições, inquestionavelmente debilitado no exercício da autoridade que o cargo de PM confere, confrange e, só parece possível, pelo estado de grave degradação ético-política, entretanto, atingido em Portugal.
Outra coisa que confrange, em absoluto, é verificar que José Sócrates se vê reeleito Secretário-Geral do PS, sem ninguém sequer lhe ter disputado o lugar, facto que julgo acontecer pela primeira vez, em muito anos, se não mesmo desde sempre, na história do PS.
Um Partido que já teve nomes muito prestigiados na sua direcção política, conforma-se, hoje, com esta acabrunhante situação de lista única, candidato único, aprovados com noventa e tal por cento dos votos dos militantes, fenómeno que só conhecíamos de eleições no Leste europeu, no tempo do Socialismo Real, na antiga URSS, na China, na Coreia ou em Cuba.
Depois do fracasso do PSD, no breve interregno governativo, de cerca de dois anos e meio, de Barroso e Santana, no já dilatado período de cerca de 12 anos de permanência no Poder do PS, agrava-se o descrédito da vida partidária nacional, com a situação conhecida de asfixia intelectual e mesmo de medo, no interior do actual PS, segundo declarações de alguns dos seus mais destacados militantes, poucos em número, na realidade, mas de importância muito significativa.
Assim vemos estes dois partidos, PSD e PS, incapazes de gerar alternativas no seu seio, incapazes de projectar gente nova, com valor, com vontade de desbravar caminho virtuoso no exercício da actividade política, que deveria ser uma actividade nobre, de forte prestígio, justamente porque se trata de dirigir o País, traçar o futuro da vida dos cidadãos, nunca uma actividade vista como refúgio de medíocres, de figurantes em busca de sucesso, desprovidos de convicções, dispostos a contrabandear favores por pingues proventos, presentes ou futuros, num corrupio que, fatalmente, mina e destrói a confiança dos seus semelhantes nas Instituições que, sem dignidade, aqueles representam.
É evidente que, deste modo, as sociedades não progridem, antes estagnam ou retrocedem, ainda que estes maus políticos, aparentemente, levem uma vida de sucesso, às vezes até internacional, à frente de Instituições que lhes emprestam elevado estatuto social e amplo desafogo material.
Na verdade, o que sucede é que estas instituições com tais membros e líderes delapidam o seu prestígio, construindo, ao invés, sucessivos paradigmas invertidos, que apenas acicatam outros a seguirem-lhes as pisadas, cavando sempre mais fundo o descrédito das imprevidentes Instituições que, desavisadamente, os tem distinguido.
Tenho a noção do carácter inofensivo, ineficaz, destas denúncias de estofo moral. Figuras de grande revelo da vida nacional tentaram, ao longo dos últimos 35 anos, alertar os seus concidadãos para semelhantes males, invariavelmente com resultado nulo ou irrisório, apesar da categoria do seu pensamento e da exemplaridade da sua atitude cívica.
Se os imito aqui, faço-o tão-só para aliviar a minha martirizada consciência, numa espécie de serviço cívico mínimo, que consiste em não permanecer indiferente ante o iminente descalabro, denunciando à consciência da Nação a inconveniência de deixar apodrecer a presente situação ético-política do País.
Se, a curto ou médio prazo, não se encontrar alternativa para isto, nem dentro do Partido Socialista, como parece confirmar-se, nem fora dele, no espaço político mais alargado da Oposição, a começar no Partido Social-Democrático, entraremos num caminho deveras perigoso, que, politicamente, pode até terminar numa solução não democrática, coisa que muitos cuidam arredada do universo das possibilidades, fiados numa permanente cobertura europeia, como se a UE, ela própria, se transfigurasse em entidade perpetuamente caucionadora de países económica e politicamente ameaçados de falência.
Como temos verificado, não há nada mais falível que as previsões político-económicas, mas igualmente convém não confiar demasiado numa espécie de Seguro Europeu sempre disponível para prover a sociedades mal governadas, postas a salvo de falência por putativa acção benemérita.
Os tempos, tanto os meteorológicos como os políticos, andam, na verdade, muito incertos.
AV_Lisboa, 15 de Fevereiro de 2009